quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Paizão



Ele viveu. sorriu, bebeu, comeu, cantou, dançou, brincou, fez amigos pra uma vida inteira, teve amores por todos os lados, amigos, parentes chegados e agregados. Deu e recebeu amor, mas principalmente; nos ensinou a amar, a pedir perdão quando errar, a admitir seu erro independente da idade ou da posição de pai para impor sua vontade, ele simplesmente amou e isso compreendia em ser honesto. Era um péssimo mentiroso, qualquer um descobria quando ele mentia, sua boca encurvava e seus olhos começavam a piscar num tique nervoso. Era vaidoso, com aquele cabelo de James Brown, ninguém merece! Eu odiava, preferia quando usava tranças que minha mãe fazia, sempre esperniava quando ela lhe puxava o cabelo quando ele fazia alguma piadinha que ela não gostava.
São essas e muitas outras lembranças que vou carregar comigo pra sempre. Muito mais do inicio e do continuo do que do fim, ou o porquê deste . Eu sei o porque da vida, sei que foi pra me ensinar a ser amada como ninguém, foi pra nos mostrar como sermos felizes intensamente sem medo de parecer bobo ou infantil, ele era uma criança grande aos 53 e não se importava com isso. Ele era alegre e responsável, expontâneo, não ligava se eu acendia minhas velas e ouvia meus reggaes a meia luz, achava lindo meu jeito meio místico e romântico como ele. Adorava me chamar pra ver a lua nascer as seis, isso ainda o emocionava tal como a mim, nunca perderei as pequenas coisas que fazem tudo se tornar grande e verdadeiramente significante.
Largar o prato de comida pra dançar tango na sala comigo só porque tocou no rádio e eu tava com vontade. Dos passos que aprendi com ele, e outros que aprendi por ter o dna dele. O que nunca aconteceu quando se tratava de seu amor pela culinária, essa parte não me atrai. Suas receitas ele levou consigo, seus remédios loucos que me deixavam melhor no mesmo dia, mas era seu cuidado comigo que me fazia bem. Eu era sua filhota e ele era meu paizão.
Não se elimina de uma vez um ser tão imenso, tão pesado em presença, tão cheio de personalidade. Ela ficou impressa em todos que o conheceram, está em toda a parte do nosso cotidiano. Eu posso dizer hoje que tive muito, que tive tudo de um pai. Ele morreu sem me dever nada como pai e sei que fora um neto não lhe devi nada como filha.


Fico feliz por meu último post colocado aqui tenha sido sobre ele, ele sempre soube que o amava e eu nunca tive dúvidas de o ter demonstrado. Aprendi isso com ele. Todos me dizem: "Pára de se fazer de forte, chora, põe pra fora isso vai te fazer bem". Talvez, mas eu derramei lágrimas suficientes e creio que aos poucos derramarei mais algumas. Não sei o que acontece exatamente comigo quanto a isso. Mas apesar dele e por causa dele eu aprendi a compreender a morte da maneira certa e mais leve. Pensei que meus conceitos de morte mudariam quando perdesse alguém que amava demais, alguém tão próximo, mas não mudou. A dor sempre vai existir pela ausência do ser que amamos, mas não tira de nós a realidade fatal de que nascemos para um dia morrer, não importa como, pois o quando já está definido, assim como estava definido a hora exata de nascermos.


Amo o meu pai, ele foi um homem, um amigo, um pai, um irmão mais novo, maravilhoso e terrível. Era implicante, pirracento, berrava, era brabo, era bobo, era doce, cuidadoso, sacana, bacana, era um chato, era lindo, era horrível aquele cabelo comprido e alisado, mas também sabia ter estilo. Lembranças... elas me fazem suspirar, rir e chorar, me considero rica por tê-las e por ter tido o pai que eu tive, o amigo e o confidente. Daquelas nossas conversas na cozinha falando sobre coisas que nunca falei com minha mãe. Dele cozinhando pra mim e brigando pra eu sair da cozinha por que era surpresa. Eu chegar do trabalho e ele me receber com um beijo, um abraço tão apertado que chegava a sufocar e dizer: “Olha o que o papai fez pra você. Papai trouxe morangos pra filhota.” E às vezes quando ele chegava tarde em casa e na manhã seguinte se jogava na minha cama e me enchia de beijo e fazia a mesma coisa com o meu irmão, mesmo ele sendo um negão de vinte e três anos de um metro e oitenta e seis de altura. Pra ele não importava, éramos sempre seus filhotes, suas crianças.
Muito do que somos, eu e meu irmão, fazem parte desta personalidade imensa com a qual convivemos e aprendemos durante todos esses anos. Tenho em mim muitas das suas intrísecas qualidades e defeitos, maioria defeitos, como dizia ele. Sou intensa, insana, apaixonada, estranha, malandra e outras coisas mais. Sempre fomos muitos próximos e de tão parecidos brigávamos muito e resolvíamos tudo no mesmo dia, ou na mesma hora, nem um dos dois tinha muita vergonha na cara mesmo e logo tudo voltava ao normal.
Vejo ele também na personalidade falante e amigo de todos no meu irmão, sempre muito sociável e cercado de gente herdou essa empatia dele, apesar de cauteloso e reservado com seus sentimentos como a minha mãe, é mais conhecido do que nota de um real. Também herdou o nariz de batata, "ladrão de oxigênio" como ele dizia sempre, ao contrario do meu pequeno e delicado nariz meio afilado, meio batata.

Eu posso dizer que tive um pai, muitos por aí não podem. Fez de tudo por mim e pelo meu irmão, não houve nada que faltasse, talvez sobrasse em mimos e extremos cuidados, mas nunca faltou amor. Minha mãe pode dizer que teve um marido, por trinta e três anos, não conheço muita gente que tenha isso, e muito menos que teve um marido tão apaixonado e cuidadoso como ele foi, adorava exibi-la em todo o lugar, era louco por ela, dizia isso o tempo todo, gostava de admirá-la dormindo, um eterno namorado.
Meu pai era assim um amigo, conselheiro, esporrento, às vezes ele gritava mais que baiana em feira. Só sinto muito não ter lhe dado um neto, ele sempre quis, e sempre disse que achava que não ia viver pra ver um neto. E não viveu. Nem pra me ver casar, nunca entendi porque nunca o vi nos meus sonhos de casamento. Agora entendo, eu já sabia de uma forma bizarra e estranha.
Sei lá como vou descrever um presença tão presente no nosso ser, que hoje se encontra ausente? Ele é isso, ele é tudo o que temos de amor em casa, ele ensinou minha mãe a amar e ser amada. Ele é um presente de Deus, não algo para lamentarmos. Sentimos saudades e sempre sentiremos, mas seremos eternamente gratos pelo tempo que tivemos com ele. Por tudo o que ele representa em mim, pelo caráter que ele nos ajudou a formar, pelo senso de responsabilidade e de vida que recebi. Muito obrigada, pai. Te amo pra sempre.