sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Alguém como você

Foi numa tarde dessas de chuva fina, não eram meus olhos me enganando o céu estava mesmo chorando, não são lágrimas escorrendo no meu rosto, o dia estava quente ainda há pouco. A única coisa que atrapalha meu perfeito engodo é me lembrar de você, eu não posso evitar, o ar está pesado com a umidade que desce e gruda na minha pele como a sua costumava fazer. Ah o problema das lembranças, é que elas trazem consigo cheiros e sensações! Uma lufada de ar entra pela cortina de renda trazendo o cheiro conhecido de musgo e madeira, que me remete ao seu perfume amadeirado. Eu sorrio porque ouço o ranger do portão se abrindo com dificuldade. Que dificuldade você tinha em lembrar de trocar aquela dobradiça. “Dois minutos! - eu dizia - Só vai levar dois minutos!”. E você me beijava me calando dizendo: “To atrasado, prometo que na volta eu faço isso!” Nossa vida corria, como corre a chuva apressada por molhar, e escorria como escorre a lama a dissolver cada pedaço da nossa desgastante relação. Você fingindo que entendia o que eu estava cansada de falar. Cansada... é assim que me sinto. Cansada de não aceitar suas desculpas, cansada de bater o telefone na sua cara, cansada de te deixar esperar. Será que eu consigo mesmo me manter assim tão longe da erosão? Tão difícil de ruir, como a rocha sob meus pés? Será que sou tão imune que agüento fingir que não vejo teu sofrimento, fingir que não sei que você me quer? É, eu sei! Até porque sei bem o que é rejeição e ser rejeitada por você, passei por isso algumas vezes. Trocada por trabalho, trocada por viajens intermináveis pelo homem de negócios que jamais tinha tempo pra ser meu. Agora te vejo me enxergar, agora te vejo louco por me ter de novo em seus braços quentes que antes tão distantes e desmemoriados perdiam a lembrança do que era o meu toque. Mas e eu? O que eu sinto além desse cansaço, além de me manter impedernida por tanto tempo. Essa chuva prova alguma coisa? Prova que uma tempestade pode destruir e abalar, mas uma chuva fina como essa pode ensinar, que lentamente eu quero... Eu quero que você volte pra minha vida! Volte pra consertar a mim e a dobradiça do portão! Olho pro relógio, será que ainda dá tempo? Ta ali! Bem em cima da mesa o endereço, a carta que me recusei a abrir e como já sabia disso escreveu no envelope “VEM COMIGO”. Eu imaginava o que seria. Era um sonho adolescente, uma coisa que prometemos fazer um dia. Viajar juntos de mochila tirando fotografias. Eu amava aventuras antes de renunciar tudo pra segui-lo, ele amava tudo isso junto comigo antes da ambição se tornar a melhor aventura de todos os tempos. Pensei: ‘Podia ser assim, eu ficaria aqui e ele partiria sem mim. Eu ficaria bem e ele também. Conheceria alguém, que curaria a dor de não ter meu perdão, o faria sorrir e parar de chorar por mim. Ouviria isso e passaria por ele na rua. Me lembraria de cada memória fotográfica dos nossos momentos felizes e ao contrario de pensar nele como um amigo de velhos e bons tempos eu sentiria a dor de não ser eu a segurar sua mão.’ E como encontraria alguém que me amasse como me amou? Pensamentos assim me fizeram mudar e correr. O tempo é já! O passado não pode passar, não agora, não pra nós. Eu queria todos os presentes com ele, agora e amanhã! Nessa hora uma entusiasmo infantil correu minhas veias como fogo, entrando em choque com o gelo que me paralisava. Do que eu precisava? Pouca coisa! Joguei tudo na mochila peguei chaves e celular, o envelope e fui. Esqueci o guarda chuva. Quem se importa?! Cheguei ensopada! Encontrei um homem de olhos fitos no chão com as mãos na cabeça totalmente descabelado, o horário tava apertado o trem ia partir logo, mas não consegui correr. Andei. Parei em sua frente e acariciei seus cabelos o fazendo olhar para os meus olhos e como brilhavam aqueles olhos ansiosos que me esperavam. Há quanto tempo mesmo? Seis meses, seis longos meses. Ele se ergueu e limpou os olhos, segurou meu rosto com as duas mãos e sussurrou com voz rouca e firme: “Você é minha!” Eu sorri e o beijei. Quem liga pra que destino iríamos? Iríamos juntos de qualquer jeito. Ele era meu e eu, como ele disse, era dele total e completamente. Teríamos que suspender papeis, eu mudei de idéia! Eu fico nessa história, eu fico com esses olhos, eu fico com esse homem, fico até o fim!